Era preciso estar solto. Sentir medo, temer o próprio pânico. Quando atravessamos a camada de nuvens parecia insustentável prosseguir, mas ninguém ao redor para apoiar desistentes – ainda bem!
A ideia principal era enfrentar antigos monstros internos. Sempre tive aquele pesadelo de estar caindo, mas frequentemente não acordava com o susto. O fim do sonho é mais tenebroso quando não despertamos, parece. Também é preciso comparar a realidade com as boas imagens do cérebro. Sonhei bastante que voava, daqueles sonhos em que se controla em certa medida o voo. A realidade é incomparável, mas lembro melhor de alguns sonhos e parece qu’eu sabia de maneira objetiva o que poderia ser esta experiência.
Quem sabe por isso, estando à beira do avião já com a porta aberta e o tapete de nuvens abaixo, não senti nada. Fiquei ofegante. Foi um momento em que congelei a memória, de repente caí. Ilógico, irracional, porém extremamente seguro. Coragem tiveram os que inventaram os tantos modelos de paraquedas que tivemos. Eu fui, talvez, ousado; mas ousadia em relação ao meu sedentarismo. Quem sabe daqui pra frente não seja ousadia (mas uma rotina surpreendente) fazer coisas assim.
Não saí ileso. Com ouvidos tampados e curvas bruscas devido ao vento, enjoei. Esperei chegar ao solo para pôr o café-da-manhã para fora (por cortesia com o instrutor, que sentiria no rosto caso eu tivesse me deixado levar em pleno voo).
E nem de longe o dia inteiro de enjoo que tive o dia inteiro foi capaz de apagar o melhor do dia.
Acho que também nunca presenteei alguém com algo tão bonito e incrível.
Ela voltou ao planeta com uma felicidade inédita.

Salto em Boituva – 21.1.MMXVI
Estranhamente, esse “pequeno passo para fora do avião, mas um grande salto de paraquedas” foi uma entre outras coisas que considero numa lista de inovações da minha vida adulta:
[…]
.Ter:
.comido palmito – e gostado
..comido tomates (fatiados) – e gostado
…trabalhado com livros – vendendo, emprestando, lendo.
….feito uma tatuagem com significado para qualquer ser humano (?)
…..visitado poetas mortos, entre outros escritores
[continuará]